A visita de Mafu
Tenho um causo para contar, da série fatos fantásticos que acontecem comigo.
Meu primeiro gato foi o Mafu. Peguei ele em 2009 quando eu tinha 17 anos. Eu sempre me senti muito sozinha sem a companhia de animais e naquele ano algo me despertou a vontade de ter um gato. Garota de apartamento, eu sempre tive vários ratos e hamsters mas nunca um animal maior. Mafu foi adotado em uma ONG e era o mais medroso da ninhada. A mulher que dirigia a ONG precisou arrancá-lo de um esconderijo para colocá-lo nos meus braços. Ele não tinha mais que três meses, sendo portanto provavelmente escorpiano. A mulher me disse:
- Toma, esse aqui precisa de muito carinho.
Naquela época eu queria um gato preto. Olhei para todos os gatos da ninhada, iguais ao Mafu e siameses. Quando filhote ele era branquinho com o centro do rosto preto e o rabinho preto. Levei aquele gatinho medroso para casa. Dei o nome de Mafu pois a pelagem lembrava a de um macaquinho lêmure e quando criança eu assistia um programa no Discovery chamado ZobooMafoo que gostava muito. O protagonista era um lêmure falante que contava curiosidades sobre animais.
Dois anos depois fui estudar fora em outro estado e não levei o Mafu comigo. Como ele era avesso a mudanças de qualquer tipo, achei que estaria melhor com os meus pais. Ele virou filho dos meus pais e quase como meu irmão. Mas sempre que eu ia para casa nas férias ele estava por lá me seguindo. Foi um gatinho tranquilo que nunca mordeu ou arranhou ninguém.
No início de sua vida deixávamos que ele fosse passear no bairro. Uma ideia minha, que não gostava da ideia de aprisionar a liberdade dele. Nessa época, eu não contava com a maldade humana. Não sabemos o que houve com ele mas um dia chegou em casa sem 30% da pele do corpo e com uma patinha irreversivelmente machucada. Depois de muito tratamento, mais do meus pais que meu pois eu não tinha ainda estrutura emocional para aquilo, ele se curou e sobreviveu. Ficando porém permanentemente manco, pulando nas três perninhas. Um macaquinho completo.
Fechamos o portão e não deixamos mais ele ir para a rua, e assim os anos passaram com suas brigas por baixo do portão com outros gatos.
No ano em que voltei da Irlanda passei um tempo com meus pais e certo dia o percebi estranho, amuado, não parava direito em nenhuma posição. Apertei de leve sua barriga e ele gritou. Mais uma corrida para o veterinário e descobrimos que ele tinha problema nos rins e estava com a uretra obstruída. Mais uma luta pela vida em 2016 e ele sobreviveu. Mudamos a ração e nunca mais ele teve qualquer problema com isso.
Mafu ficou 14 anos conosco. Ainda viveu para ter que aturar uma Stella bebê, tentando brincar com ele em 2021. Viu e viveu a mudança de meus pais de volta para o sul em 2022. Curtiu a praia, a grama e fez amigos e inimigos por um novo portão. Em Agosto de 2022, esse foi o último lugar em que nos encontramos.
Em Janeiro desse ano ele teve uma infecção que se alastrou muito rápido. Meus pais fizeram de tudo mas nada foi suficiente para salvá-lo dessa vez. Ficamos muito abalados. E eu, aqui em Portugal, chorei todos os dias daquele mês. Me culpava e perguntava se eu tinha feito tudo por ele. A frase da mulher da ONG nunca saiu da minha cabeça. Será que dei todo o amor que ele precisava?
Agora em Agosto meus pais vieram para Portugal passar meu aniversário comigo e uma semana antes deles chegarem sonhei com Mafu. No sonho ele estava bem e me dizia (por telepatia) que estava vindo me fazer uma visita. Imaginei que ele viria através da presença dos meus pais ou talvez porque estaríamos reunidos e fiquei feliz.
Com meus pais aqui, o único dia em que fiquei sozinha em casa me aconteceu uma coisa peculiar. Meus pais foram ao shopping e eu fiquei para organizar a casa. Já havíamos passeado muito nos dias anteriores. Uma menina tocou o interfone mas como não a conheci, não abri.
De repente, ela bateu em minha porta. Aqui em Portugal isso é um tanto comum. Os prédios não tem porteiros e as pessoas tocam em diversos apartamentos até alguém abrir. Geralmente essas pessoas estão oferecendo algum serviço, pedindo doação, ou alguma colaboração em algo. Não existe o medo que há no Brasil. O engraçado é que a menina veio imediatamente para o meu apartamento mesmo sem ter sido eu a abrir.
Abri a porta e fui inundada por uma chuva de entusiamo. Era uma jovem adolescente por volta de seus 17 anos, alegre e carismática. Realmente bastante solar, com um olhar amigável e esperançoso. Ela queria falar sobre uma instituição e pedir minha colaboração. Me explicou diversas coisas enquanto eu ouvia atentamente. Eu era acostumada a fazer doações regulares no Brasil mas ainda não tinha transportado esse meu hábito para cá. Acho que até por birra…no Brasil eu me sentia responsável pelas pessoas e animais em necessidade. Aqui não.
Decidi mudar isso esse dia e virei colaboradora. Enquanto preenchíamos meus dados e ela me agradecia por ter sido tão gentil com ela, Stella apareceu no corredor. A menina gritou:
- Nossa que linda! Uma gata tricolor! Você sabia que elas tem um nome diferente? Não me lembro agora mas fala em uma música de uma banda que gosto muito. Você sabia que elas dão sorte?
- Não sabia! Que música? Realmente a Stella me dá muita sorte e é uma gata muito mística.
- É da banda BTS, chama Serendipity, vê o clipe depois.
Enquanto eu anotava o nome no meu celular ela disse:
- Eu também tenho um agora, ele só tem três meses.
- É mesmo? Mostra uma foto dele?
Ela estendeu o celular com a foto de um gatinho deitado em almofadas macias. Um gato exatamente como Mafu. Senti um nó na minha garganta e as batidas fortes do meu coração.
- Eu também tive um siamês, foi meu primeiro gato. Ele nos deixou em Janeiro desse ano. Foi difícil mas ele passou 14 anos com a gente, não podemos reclamar. Qual o nome dele?
- Ah, então ele teve uma vida longa e feliz. Tenho certeza que foi muito amado. O nome do meu é Haru.
Eu ri e mencionei sobre a semelhança de seus nomes. Depois disso fiquei um pouco desconectada e pensativa. Ainda com o nó na garganta mas com uma alegria dentro de mim que me dizia: “Mafu me visitou mesmo”
Acho que ele queria dizer que estava bem, que tinha encontrado um novo propósito com uma nova adolescente que também precisava dele. E que sabia que tinha sido amado.
Sempre fico um pouco incrédula com essas coisas que acontecem comigo, depois que elas acontecem. Mas hoje tenho uma doação para instituição que ajuda crianças refugiadas caindo todo mês no meu cartão para lembrar que a visita de Mafu foi real.
Obs: Com isso, descobri que o “nome especial” para a pelagem de Stella é Calico em inglês. A tradução para o português aparentemente fica Chita, não sei se no Brasil temos um nome específico. Esses gatos são considerados raros e dão sorte aos seus amigos humanos. Aquela estátua de gatinho japonês que balança a pata e está sempre na entrada de casas e estabelecimentos foi inspirada nos Calicos. Ninguém sabe a origem deles, mas alguns pesquisadores acreditam que são oriundos do Egito. Eu não sabia de nada disso quando escolhi a Stella. Eu só tinha há anos uma gata tricolor chamada Stella na minha cabeça e quando a vi sabia que era ela. Tive uma certeza que poucas vezes senti na vida. A certeza das coisas que são para ser.
Serendipity — BTS
Tudo isso não é uma coincidência
Apenas, apenas através dos meus sentimentos
O mundo inteiro ficou diferente do que era ontem
Com apenas, apenas a sua alegria
Quando você me chamou
Eu me tornei sua flor
Como se nós estivéssemos esperando por isso
Nós florescemos até congelarmos
Talvez seja uma providência do universo
Tinha que ser assim
Você sabe, eu sei
Você sou eu, e eu sou você
Tanto quanto o meu coração palpita, eu me preocupo
O destino continua com inveja de nós
Eu estou tão assustado quanto você
Quando você me vê
Quando você me toca
O universo se move para nós
Não houve nem uma pequena falta
Nossa felicidade era pra ser
Porque você me ama
E eu te amo
Você é minha penicilina
Me salvando
Meu anjo
Meu mundo
Eu sou seu gato de chita
Vim para te encontrar
Me ame agora
Me toque agora
Apenas deixe-me te amar
(Deixe-me amar, deixe-me te amar)
Apenas deixe-me te amar
(Deixe-me amar, deixe-me te amar)
Desde a criação do universo
Tudo estava destinado
Apenas deixe-me te amar
(Deixe-me amar, amar)
(Deixe-me amar, amar)
Deixe-me amar
Deixe-me te amar
Deixe-me amar
Deixe-me te amar